ARTIGO | Nós, as herdeiras de Teresa, sendo felizes e contando nossas histórias – Por Valéria Correia

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"Temos que nos voltar para dentro dos quilombos e nos organizarmos melhor no
sentido de dar um instrumental para esses que vão chegar e continuar o nosso 
trabalho" (Lélia Gonzalez, Por um feminismo afro-latino-americano, 2020, p. 327).

Eis que se chega mais um Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, também chamado de Julho das Pretas. O dia serve para nos lembrar que, apesar de uma irmandade incontornável com o continente africano, e de diversos aspectos que nos aproximam das mulheres africanas, as mulheres negras em diáspora passaram por diferentes processos ao longo da história desde a escravidão.

A data começou a ser comemorada em 1992, quando, em Santo Domingo, aconteceu o 1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas. No Brasil, o 25 de julho também faz referência à uma mulher importante para a história do país, Teresa de Benguela, líder do Quilombo Quariterê, no século XVIII, no Mato Grosso.

E é pensando na resistência de Teresa que escolho homenagear neste texto, as mulheres quilombolas que encontrei ao longo de minha caminhada acadêmica ao pesquisar quilombos. Fosse no Rio de Janeiro, Maranhão, Bahia ou no Ceará, eram sempre elas, as mulheres, as que mais me ensinaram sobre luta coletiva. Mas essa história começa bem antes de eu chegar à universidade.

Filha de dona Carmem, neta de dona Maria, bisneta de dona Joana, que soube recentemente, foi uma retirante cearense que tentou a vida no Rio de Janeiro e por lá ficou. Sem possibilidade de estudar, minha bisa, vovó e mamãe, não me puderam contar tanto de suas histórias, mas foi justamente o empenho de cada uma delas para que eu estudasse que me permitiu continuar escavando o que não nos foi contado.

Adulta, na universidade, a aproximação com Denise, do Quilombo da Tapera, em Petrópolis; Carol e dona Mazé, do Quilombo Boa Esperança, em Areal; dona Nice, do Bairro Novo, Neta, do Quilombo de Canelatiua, Denise, dona Neide, do Quilombo de Itamatatiua, todas do Maranhão; Michelly, dona Gorete, dona Mazé, do Quilombo das Queimadas, no Ceará; Catarina, do Quilombo da Bocaina, na Chapada Diamantina, me fez compreender que o que eu entendia como luta ia além do grito e do enfrentamento constante.

Essas mulheres que enfrentam posseiros, fazendeiros, mineradoras, o governo brasileiro, me contavam suas histórias na beira do fogão, preparando uma vasilha de barro, me ensinando sobre pesca, refletindo sobre a prisão de um filho, e me aconselhando sobre como criar os meus sempre com um sorriso no rosto e o olhar altivo sabendo que aqui, este território é o que elas têm de mais sagrado, a terra pela qual dão a vida cotidianamente.

Em cada uma delas, encontrei a resistência e a alegria que talvez mantivessem Teresa de Benguela sempre firme em seu sonho. E é graças a cada uma delas, mulheres, mães, das grandes cidades, ou das áreas rurais deste país, que posso dizer que sou parte de uma geração que tem a oportunidade de contribuir com a partilha dessas histórias que estão sendo escritas todos os dias, em todos os cantos desse país, por mulheres negras como Teresa, como minha mãe, como eu.

Por Valéria Correia Lourenço

Professora EBTT de Língua Portuguesa e Literaturas do IFCE campus Crateús, doutoranda em Literatura Comparada pela UFC, mestra em Cartografia Social e Política da Amazônia pela UEMA, graduada em Letras pela UFRRJ Nova Iguaçu, escritora, mulher negra, de 42 anos, mãe e avó, retirante no sertão cearense